Está em vigor desde 2002 o regulamento que determina que “50% dos valores
provenientes das multas por transgressão à legislação florestal e faunística,
destina-se aos fiscais de florestas, fauna bravia e aos agentes comunitários,
que tiverem participado no levantamento do processo de transgressão respectivo,
bem como as comunidades locais ou a qualquer cidadão que tiver denunciado a
infracção”.
Em todo o distrito da Gorongosa estão registados oito operadores
florestais, dos quais três em regime de concessão e cinco em regime de licença
simples. Além dos comités de gestão de recursos naturais de Tambarara e Canda,
existem outros cinco, nomeadamente Nhambita, Nhanguo, Kuzo, Tchutchenja e
Santugira.
No entanto, desde então, duas comunidades do distrito da Gorongosa, em
Sofala, com registo predominante de operações florestais, nomeadamente Tamarara
e Canda, revelaram que nunca se beneficiaram do prémio de multas aplicadas
sobre a exploração ilegal de recursos florestais, nas respectivas zonas.
Na busca de informações sobre o processo de canalização dos prémios para
denunciantes e actuantes, bem como a forma que são feitas as denúncias das
irregularidades nas comunidades e respectivo seguimento, uma equipa de investigação,
liderada pela Livaningo do consórcio ADEL Sofala, Livaningo, Muleide, IPAJ
e Rede de Jornalistas Amigos do Ambiente, deslocou-se em finais do ano passado
à Gorongosa, concretamente, às comunidades acima mencionadas e constatou que as
mesmas nunca se beneficiaram dos valores oriundos das denúncias de casos de
exploração ilegal de recursos florestais.
No trabalho realizado, foram entrevistados cinco membros do corpo de
fiscalização comunitária, designadamente Albertino Miquirisse, Rosita Chamisso
Saroia, Rosário Araújo João (Comité de Gestão dos Recursos Naturais de Canda);
Carlitos Jacinto Alficha e Bói Marcelino Gemo (Comité de Gestão dos Recursos
Naturais de Tamarara). Nas respostas dadas ao conjunto de perguntas que lhes
foram colocadas, foram unânimes em afirmar que não se lembram de alguma vez se
terem beneficiado do mecanismo legalmente instituído pelo Decreto N º 12/ 2002,
de 6 de Junho, sobre a comparticipação.
Albertino Miquirisse, chefe da equipa de fiscalização ao nível do Comité de
Gestão dos Recursos Naturais de Canda e Carlitos Jacinto Alficha, chefe de
fiscais do comité de Tamarara ambos confirmaram a ocorrência recorrente, nas
suas comunidades, de casos de violação da legislação florestal e faunística,
com principal destaque para situações de abate indiscriminado de árvores para
produção de carvão vegetal.
Miquirisse afirmou ainda que são tantos os casos de infracção nas operações
florestais, na sua comunidade, que já nem se lembra de quantos foram no total,
desde que se encontra envolvido neste trabalho, ou seja, desde 2007. Referiu
ainda que, na sua maioria, os casos envolvem membros da comunidade local que se
dedicam à produção de carvão, os quais tem feito o abate indiscriminado de
árvores.
Sobre o tratamento que dão aos supostos prevaricadores, respondeu que tem
sido levados à sede do comité onde são sensibilizados a não retornarem à
prática. E, nos casos em que se observa relutância ou reincidência são
encaminhados as autoridades estatais.
Perda de confiança as autoridades
De acordo com fontes, normalmente, quando se neutraliza um furtivo o caso
resolvido na respectiva comunidade. “Geralmente temos aplicado uma multa e nos
beneficiamos imediatamente dos valores. Recentemente, por exemplo, flagramos
uns cidadãos a poluir o rio para facilitar a captura de pescado. Tivemos uma
resolução de irmãos para irmãos, um “combinado” da zona. O valor da multa que
aplicamos foi de 1.500,00 Mts, porém, os prevaricadores disseram que não tinham
dinheiro para pagar, vai daí, demos-lhes o trabalho de construir latrinas a
favor das comunidades locais”.
Nas suas declarações, Miquirisse deu a entender que há pouca confiança em
relação à transparência por parte das autoridades do distrito. “Quando
apresentamos uma denúncia somos excluídos dos passos subsequentes. Não
assinamos nenhum documento. Outro dia neutralizamos tractoristas, comunicamos
aos fiscais do governo, mas até hoje não tivemos resultados. Já não temos
motivação para continuar a desenvolver uma cooperação sã com as autoridades,
porque não vemos a vantagem”, denunciou.
“Eles é que não nos dão esse direito. Nem chegamos a ver o tipo de
documento... Estamos cansados. Nós preferimos pegar esses nossos e cobrar multa
para as comunidades. Nunca recebemos nenhum valor. Também temos medo, não temos
capacidade”, acrescentou. Relativamente aos operadores florestais, o
entrevistado disse que neutralizar camionistas tem sido muito difícil, por não
possuirem meios para imobilizar as viaturas em circulação.
“Não temos essa capacidade. A nossa intervenção tem sido mais para os
homens de corte e não são muitos casos que temos conseguido porque as zonas de
corte também ficam distantes das nossas áreas residenciais. Mas sempre que
ocorre um caso nas redondezas temos conseguido capturar os autores e geralmente
apreendemos os instrumentos de corte. Não temos capacidade para neutralizar
transportadores”.
Revelações semelhantes foram dadas pelos restantes dois membros do comité
de gestão dos recursos naturais de Canda, designadamente Rosita Chamisso Saroia
e Rosário Araújo João. Para Rosita Chamisso, nos últimos anos houve uma redução
substancial de operações florestais, reduzindo, consequentemente, as práticas
ilegais. Por seu turno, Bói Marcelino Gemo, fiscal de Tamarara, que actua na
área há sensivelmente 18 anos, declarou que nunca recebeu e nem acompanhou a
recepção de dinheiro resultante de multas. “Dinheiro não tenho recebido”,
repisou a fonte.
“Foi em 2018. Eramos dois fiscais e levamos a madeira para a sede do
distrito. Depois o SDAE vendeu a madeira e nos deu pouco dinheiro, para pelo
menos comprar sabão. Disseram-nos que venderam a madeira para carpinteiros
locais por 150,00 Mts cada peça. Eram 10 peças que renderam 1500, 00 Mts e
deram-nos 500,00 Mts, tendo dividido 250,00 Mts para mim e a outra metade para
o meu colega”, contou Bói Marcelino Gemo.
Carlitos Jacinto Alficha, chefe de fiscais do comité de Tamarara, disse que
ao longo do ano 2019 a sua comunidade neutralizou 26 carvoeiros ilegais. “Todos
eles foram julgados na sede do comité. Se constatarmos que é reincidente
encaminhamos a pessoa às autoridades do governo. Já levamos três pessoas este
ano às autoridades do governo. Não sabemos se já pagaram as multas”, afirmou o
entrevistado, frisando que este ano reduziu muito a acção de furtivos.
Relativamente à abordagem primária, Gimo Simango, Director do Serviço
Distrital de Actividades Económicas (SDAE) em Gorongosa mencionou um caso de
transgressão que culminou com a aplicação de uma multa no valor de 200 mil
meticais, cujo denunciante foi o presidente do comité de gestão de recursos
naturais de Kudzi.
A fonte disse ter informação de que a multa já foi paga e quanto à
compensação de direito ao denunciante, afirmou tratar-se de um caso recente e
que ainda está em tramitação. “Temos informação de que a multa já foi paga, mas
está ainda no processo de tramitação ao nível da DPTADER”, avançou Simango.
Gimo Simango explicou que os denunciantes em condições normais tem de
participar em todo o processo e para a beneficiação da compensação resultante
do valor das multas exige-se que preencham os requisitos pré-estabelecidos.
“O que muitas vezes acontece nós agora estamos a tentar trabalhar com os
denunciantes, com as comunidades, porque para que os valores de comparticipação
sejam transferidos é preciso que eles tenham NUIT, conta bancária. Então, há
alguns procedimentos que é preciso que aconteçam e muitas vezes os denunciantes
não têm. Mas, há um trabalho que estamos junto as comunidades de forma a
sensibilizar cada membro do comité para ter NUIT, conta bancária para facilitar
as transações”, avançou o Director do SDAE de Gorongosa. (Paula Mawar
& Omardine Omar da Carta de Moçambique).
https://www.cartamz.com/index.php/sociedade/item/4211-comunidades-residentes-em-areas-de-exploracao-de-recursos-florestais-na-gorongosa-burladas-pelas-autoridades-ha-mais-de-uma-decada
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